O Projeto de Extensão intitulado Vozes Kilombolas do Lago de Serpa do município de Itacoatiara - AM: conflitos socioambientais e territorialidade, realizou a primeira pesquisa de campo nos dias 19 e 20 de outubro na Comunidade Quilombola Sagrado Coração de Jesus do Lago de Serpa, localizada nas proximidades do município de Itacoatiara -AM. O objetivo é compreender os conflitos socioambientais e os processos de territorialização da Comunidade Quilombola Sagrado Coração Jesus do Lago do Serpa, reunindo especificidades e historicidade daquela região.
Essa fase do projeto marca o início de mapeamento e primeiro contato com os sujeitos que farão parte do estudo para verificar as primeiras amostragens.
A pesquisa é coordenada pelo professor Dr. Bruno de Oliveira Rodrigues do Departamento de Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia e de Sociologia, vice coordenada pelo professor Dr. José Gil Vicente, Professor da UFAM-ICET, Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia, ambos da Universidade Federal do Amazonas. O projeto é uma parceria com a Universidade do Estado do Amazonas e Universidade Federal Fluminense, representado pelos colaboradores Sidnei Clemente Peres, professor dr. do Departamento de Sociologia e do PPGAntropologia da UFF (RJ) e Gessiane Nazário Peres, Quilombola da Comunidade Quilombola da Rasa (Município de Armação de Búzios), Dra. em Educação pela UFRJ e professora da Rede Municipal. Entre os professores, a jornalista e mestranda do PPGSCA, Bruna do Carmo Reis Lira colaborou com a cobertura jornalística.
A equipe percorreu cerca de 269 km por estrada em veículo cedido pela Universidade Federal do Amazonas, distância essa equivalente à 3h30, aproximadamente. O trajeto final dobrou para 538 km, totalizando 7hs de viagem.
A Comunidade Quilombola Sagrado Coração Jesus do Lago de Serpa, recebeu a equipe acadêmica com muito entusiasmo, a fim de assimilar as informações necessárias e, em contrapartida, compartilhou as principais demandas enfrentadas naquele território, entre elas, conflitos territoriais, ambientais envolvendo ameaça de morte, falta de assistência sociopolítica, entre outras. Foram registradas imagens e anotações em caderno para levantamento de dados importantes que farão parte do processo da pesquisa.
Após dois dias intensos de encontro com Kilombolas, a equipe retornou para sede Manaus com a missão de ampliar, discutir e compreender ainda mais a causa desse grupo que resiste há tantos anos, há tantas problemáticas sociais, culturais, étnicas e políticas, além de apresentar resultados da pesquisa à Comunidade Quilombola.
Entre as vozes kilombolas que emitiam sofrimento, esperança, pedido de ajuda, estava o desabafo de dona Valdete do Socorro, 53 anos, moradora do Quilombo.
“Eu sou sócia quilombola. Tenho um casal e meio de filhos. Vivo no Quilombo. Tem um ditado que eu digo para minha mãe: - eu vou morrer kilombola. A minha família também era Kilombola. Dói dentro de mim saber que eles não aceitaram ser quilombolas. Sempre converso com ela, e acha que vão tirar nossas terras. Nós estamos ficando velhos, mas nossos filhos ainda estão novos. Porém eu fico triste porque meus irmãos que moram aqui não aceitaram ser kilombolas. Não se trata apenas da cor da pele, mas do sangue que corre em nossas veias. Eu estou seguindo esse caminho e vou até o fim. Essa batalha nós vamos vencer”, disse ela extremamente emocionada.
Durante a roda de conversa, com a presença de crianças, mães, jovens e com aqueles que compartilham das muitas experiências atravessando décadas, os senhores e senhoras que já viram e ouviram de seus pais e avós o que seria daquela localidade se não houvesse o cuidado coletivo. As vozes kilombolas persistiam em buscar meios para que fossem ouvidas e socorridas. Relatos de ameaças constantes, tiros na faixada do Quilombo com a intenção de amedrontar os residentes kilombolas, estradas escuras e sem segurança para aqueles que precisam ir à escola, trabalhar e seguir a vida comum.
Há 20 anos seu Edson Gomes reside no Quilombo, lá se casou com kilombola e procriaram 2 filhos. Ele já não quer que os filhos vivam as mesmas dificuldades que vem enfrentando junto à esposa. Então uma voz paterna ecoava pedindo um futuro melhor para seus filhos.
“Sem cultura não há sociedade. O preconceito assola a nossa situação aqui. E queremos ter esse conhecimento, para que o nosso povo, nossos filhos tenham um futuro melhor. Que eles aprendam e deem continuidade na caminhada. Um dia nós partiremos e eles ficarão”, finalizou o pai com semblante de esperança.
A brava luta kilombola que perdura até os dias atuais, faz deles, sujeitos guerreiros, orgulhosos e resistentes, por eles, pelos ancestrais e pelas próximas gerações. As vozes Kilombolas do Lago de Serpa não podem mais serem caladas nem ameaçadas.
O projeto de extensão visa continuidade acadêmica, mas sua finalidade principal é chegar ao conhecimento do Ministério Público Federal para que os casos sejam investigados, mantendo a integridade física e os direitos dos Kilombolas resguardados.