Busca

Área Indígena Sateré Mawé ganha rádio comunitária

A rádio comunitária 'Sateré Ty FM 87.9' foi instalada nas dependências da Escola Indígena São Pedro (EISP), no Rio Andirá.

Área Indígena Sateré Mawé ganha rádio comunitária Notícia do dia 26/08/2021 Instalada nas dependências da Escola Indígena São Pedro (EISP), no Rio Andirá, a rádio comunitária “Sateré Ty FM 87.9” já está em pleno funcionamento, mas ainda em fase experimental, e será um importante meio de comunicação entre os indígenas Sateré Mawé. A previsão de inauguração é para o final deste ano. A ideia da pequena emissora é do missionário do Pime (Pontifício Instituto das Missões Exteriores), padre Henrique Uggé, que viu no rádio um meio fácil e rápido de comunicação entre as aldeias e comunidades e valorizar, ainda mais, o idioma e a cultura do índio Sateré. [caption id="attachment_16142" align="aligncenter" width="696"] Foto: João Moraes[/caption] Uggé se inspirou no primeiro bispo de Parintins, dom Arcangelo Cerqua, que ao fundar a Rádio Alvorada sentiu a necessidade de um meio para evangelizar e informar às comunidades isoladas. “Eu vi, desde dom Arcangelo até dom Giuliano (Frigeni), a importância de um meio local que alcance as comunidades.”, disse. A Área Indígena Sateré Mawé (AISM) compreende a um perímetro de aproximadamente 450 km, composta de mais de 60 aldeias e comunidades. Da primeira até a última são quase 5h de viagem pelas curvas do Rio Andirá em período da cheia. Elas estão distantes umas das outras e “às vezes tem que ir de voadeira ou de rabeta para comunicar, para avisar, para se encontrar. Com um meio desse que fala o idioma local é mais fácil esta interligação”, salientou pe. Henrique. Alguns programas serão totalmente em língua materna, para isso, pe. Uggé prepara locutores e apresentadores da própria área indígena. Segundo o missionário, a intenção é “fazer um trabalho de informação e de formação” e “dar oportunidades no campo da educação, da saúde, do social, etc, enfim, serão eles mesmos que farão este serviço”, disse. “Temos alunos e professores que, com eles, vamos começar esse núcleo de locutores e fazer programas já gravados. Estamos construindo, mas devagar vamos chegar lá”. A grade de programação ainda está sendo montada de modo a atender tantos os ouvintes que falam o sateré quanto os que falam o português. Mas, pe. Henrique não abre mão de que a rádio comunitária Sateré Ty retransmita os noticiários Jornal da Alvorada (6h) e Jornal da Amazônia (12h); e, sobretudo, as celebrações das santas missas na Catedral de Parintins, principalmente aos domingos (6h e 19h), gerados pela emissora da diocese, a Rádio Alvorada. Mesmo em fase experimental, a pequena rádio já mostra ser uma potencia na comunicação entre os índios. Com apenas 25 watts de potência (o raio de alcance é de 25km), a Sateré Ty é ouvida em aproximadamente 36 das mais de 60 aldeias da AISM. Pe Henrique trabalha para que, no futuro, ela seja sintonizada em todas as localidades da área indígena, alcançando uma parte do estado do Pará. Franco Robson Vieira Reis (44) é administrador da Escola Indígena São Pedro (EISP), trabalha há 24 anos na escola e conhece bem as dificuldades enfrentadas na região. Para ele é muito útil uma rádio dentro da área indígena. “A escola está passando por algumas mudanças em termos de educação. A rádio é muito útil aqui dentro da área indígena, eles (o povo sateré mawé) poderão ser orientados através da rádio”, afirmou. [caption id="attachment_16144" align="aligncenter" width="696"] Foto: João Moraes[/caption] Robson conta que os índios já estão indo até as cidades comprar os seus próprios rádios para poder escutar a emissora que vai falar a língua deles. “Por que é uma novidade pra eles aqui, tem comunidade que escuta o dia todo a rádio, e ela está sendo bem aceita e o povo tá bem contente”. Gecivane Menezes de Souza (28) é a primeira operadora de áudio e locutora indígena da Rádio Sateré Ty, mesmo sem ter experiência no rádio e a convite de pe. Henrique Uggé, aceitou a responsabilidade de levar a mensagem e os avisos aos “parentes”. Logo pela manhã, Gecivane começa e termina o dia na rádio com um momento de oração. E ao longo da programação manda alôs e toca as músicas que os ouvintes pedem e, às vezes, recebe convidados para uma entrevista em língua sateré. “Nunca passou pela minha cabeça de trabalhar aqui na radio. Eu não sabia como era trabalhar em uma rádio. Vou dar o meu melhor para ajudar e fazer direito o meu trabalho. É um desafio e tanto”, disse Gecivane. Para o indígena sateré Damácio Muniz Viana (51), que já foi aluno na EISP e hoje é professor da língua materna na própria escola, com a implantação da rádio “a nação sateré começa a conquistar um espaço, hoje ele (pe. Henrique) tá trazendo um rádio para beneficiar a nação sateré.”. Damácio, que trabalha há 21 anos na EISP, falou também das dificuldades de comunicação entre as comunidades. “Antes da rádio a comunicação funcionava através da carta, ou bilhete, tinha que ir pessoalmente até a comunidade avisar de algum encontro.”. Mesmo que a escola tenha a conexão wifi, não consegue suprir a necessidade de comunicação das aldeias já que na maioria delas não há acesso à internet. Nesse sentido, a rádio será o único modo de manter o índio informado. “Era o sonho dele, depois de inaugurar esta escola, de trazer uma rádio para o povo sateré.”, declarou o professor. Quando soube da notícia que seria implantada uma rádio na área indígena, a parintinense Fernanda Lopes de Oliveira (32), gestora da EISP, disse que no início duvidou. “Eu fiquei, assim, ‘Meu Deus, pe. Henrique deve tá viajando!’; é uma quadra! É uma padaria! é uma rádio!  De repente começam a chegar os materiais e os pedreiros começaram a construir a rádio. Eu pensei: gente eu acho que vai acontecer, enfim, vai acontecer!”, confessou. Com o advento da pandemia da Covid-19, as obras tiveram que ser paralisadas por um tempo. “Na vida de muitas pessoas, na rotina de muitos lugares, foi um impacto muito grande. Depois que foi liberado, vieram os pedreiros. Quando eu vi já estava montado a torre, a casinha tava terminando de ser construída, o Didi [Duarte, técnico da Rádio Alvorada] tava aqui dando as orientações. Um marco que pe. Henrique deixa aqui para o povo sateré mawé.”, disse Fernanda. Os docentes da EISP irão preparar programas sirvam como reforço escolar para os estudantes. “Assim como foi o ensino remoto, todo dia um componente curricular vai reforçar aquilo que já foi dado em sala de aula.”, informou a gestora. Por outro lado, a barreirinhense Maria Lenilda Ferreira da Silva (67), que nutre uma amizade de mais de 30 anos com pe. Henrique Uggé e o acompanha nas visitas às aldeias e comunidades, disse que sempre acreditou em todas as iniciativas do sacerdote desde quando ele chegou ao município Barreirinha. “É uma responsabilidade muito grande porque a rádio não é um microfone qualquer que você pega e fala qualquer coisa e tudo bem”, contou dona Lenilda quando pe. Henrique conversou com ela sobre o projeto da rádio. “Vai dar certo e vai ser uma coisa boa para dentro da área indígena. Eu achei uma boa ideia.”, otimizou. A rádio Sateré Ty, ainda, terá que enfrentar o desafio de manter-se no ar com um fornecimento de energia elétrica precário. Às vezes a região fica dias, e até semanas, sem a energia contemplada através do “Programa Luz para todos”, fornecida da cidade de Barreirinha. [caption id="attachment_16140" align="aligncenter" width="696"] Foto: João Moraes[/caption]

Uma promessa

Em 2020, pe. Henrique Uggé foi diagnosticado com coronavírus e teve que ser internado. Chegou a respirar com a ajuda de cilindros de oxigênio. Durante o período de internação fez uma promessa de que, se curado, iria colocar uma imagem de Nossa Senhora na entrada da EISP. Agora, curado, padre Henrique vai cumprir a promessa. Uma imagem de Nossa Senhora de Lourdes e de santa Bernadete Soubirous, de tamanho natural, estão sendo confeccionadas. Um pequeno jardim está sendo montado onde será colocada a obra. Padre Henrique quer que tudo esteja finalizado até o final deste ano, para que a inauguração do jardim de Nossa Senhora coincida com a inauguração da rádio “A Mãe do Sateré”. [caption id="attachment_16141" align="aligncenter" width="696"] Foto: João Moraes[/caption]

Henrique Uggé, Henrique Sateré

Padre Henrique Uggé é um missionário italiano do Pontifício Instituto das Missões Exteriores (Pime). Trabalha na área indígena Sateré Mawé desde 1972. Prestes há completar 80 anos de vida, pe. Uggé parece não querer parar com os trabalhos, pelo menos, por enquanto. Uma padaria e uma quadra esportiva estão nos projetos a serem concretizados pelo sacerdote. Uma vida dedicada ao Evangelho e aos povos indígenas fez do italiano o índio branco da Amazônia e, como canta o poeta, “Henrique de fé, Henrique Sateré”.

Por João Carlos Moraes, Especial para o Reporter Parintins