A retomada do projeto de resgate dos quintais urbanos como Canteiros de Bem Viver é uma das metas anunciadas nesta semana pelos integrantes da ONG Teia de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Paralelo ao projeto, a organização retomou as Feiras de Quintais, aos sábado, partir das 9 horas da manhã, na Teia de Culturas (Ruínas da Casa da Cultura), além das rodas de escuta e cuidados, oficinas de reciclagem de resíduos sólidos, artesanatos e produção de mudas.
A primeira Roda de Quintais deste ano acontece neste final de janeiro, na residência da benzedeira Lia Nazaré, na Rua 4 do bairro Paulo Correa. O projeto é realizado desde 2016 na área urbana de Parintins (369 km de Manaus) e, segundo os ativistas da TEIA, caminha na perspectiva dos indicadores da Organização das Nações Unidas (ONU), pelos quais, até 2025, 80% da população mundial estará vivendo em centros urbanos de países em desenvolvimento.
De olho na superpopulação das cidades, o que já vem ocorrendo na Ilha Tupinambarana, a experiência vem no sentido de garantir qualidade de vida e ocupar espaços ociosos nos quintais urbanos, e em três anos mostra bons resultados. No cenário brasileiro a agricultura urbana vem ganhando terreno diante do crescimento do uso de agrotóxicos, além das denúncias feitas com base em pesquisas que relacionam o uso de veneno na alimentação à diversas doenças crônicas e congênitas.
Os levantamentos de órgãos de pesquisas apontam que as hortas urbanas proporcionam o fortalecimento da vida comunitária, o aproveitamento de áreas até então inutilizadas, como terrenos e canteiros vazios e proporciona o debate sobre segurança alimentar e acesso à alimentação saudável.A iniciativa da ONG parintinense visa incentivar as famílias na melhoria da qualidade de vida e à soberania alimentar.
[caption id="attachment_2515" align="aligncenter" width="696"]

Lia Nazaré e Cláudia Siqueira mostram o valor do cultivo de hortaliças, erva medicinaise produção de mudas nos espaços antes ociosos de seus quintais | Foto: Floriano Lins/Divulgação[/caption]
Tecendo Bem Viver
Ervas medicinais, canteiros de hortaliças, árvores frutíferas, viveiros de aves para consumo, acolhimento de animais domésticos e um terreiro para os folguedos familiares são algumas das características de quintais hoje consideradas coisas do passado. No desenvolvimento do projeto a Teia tem o apoio da Articulação Parintins Cidadã, Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular em Saúde e Marcha Mundial das Mulheres, com o objetivo de resgatar práticas e saberes populares dos antigos terreiros reduzidos a lotes urbanos.
Outro objetivo do projeto é incentivar as famílias à redução da produção de resíduos enviados para o lixão a céu aberto do bairro Djard Vieira e a destinação correta destes resíduos, principalmente os recicláveis, que podem ser direcionados às sucatarias e à Associação de Catadores de Parintins.
Para os integrantes da TEIA, a construção do bem-viver constitui-se urgente desafio, a começar pela reinvenção de paradigmas de desenvolvimento aliados aos saberes tradicionais e suas relações bioculturais. “Quintais Urbanos – Canteiros de Bem-Viver” expressam-se nessa perspectiva, diz a professora Fátima Guedes, idealizadora do projeto.
Via teçume sutil, criativo e habilidoso as “Aranhas” (militantes da TEIA) oportunizam a sustentabilidade da espécie, do habitat e da vida: organizam o espaço, protegem a comunidade em diálogo perene e harmonioso com a Grande Deusa (a Terra). Segundo eles, a intenção é dar visibilidade a esta memória ameaçada e ao mesmo tempo potencializar o desafio na cidade de Parintins.
É o caso da benzedeira Lia Nazaré Ribeiro, 56 anos, que potencializa os pouco mais de 35 metros quadrados de seu quintal, no bairro Paulo Correa, Zona Sul da Ilha, com a verticalização dos canteiros de hortaliças, ervas medicinais, plantas ornamentais e frutíferas. “Desde criança gosto de plantar. O espaço é pequeno, mas a gente dá um jeito de arrumar as plantas e sempre tem um lugarzinho para cada uma”, diz a benzedeira, contemplando o resultado do ‘jardim vertical’.
Liz se diz realizada com os elogios que receber pelo reaproveitamento de embalagens plásticas, latinhas e outros depósitos pendurados em troncos de árvores ou estacas fincadas no quintal. “As pessoas vêm aqui e observam como eu faço cada vaso e a forma que encontrei para não ficar nenhuma planta sem espaço”, diz ela, mostrando o aproveitamento de tubos de linhas montados em uma coroa de corrente de moto. Latinhas de ração e garrafas pet com terra preta fazem parte do cenário do “Canteiro de Bem Viver” de Lia. Até o médico que visitou a mãe de Lia, que está enferma, se rendeu à benzedeira e aproveitou para encomendar uma muda de “aranto”, erva hoje muito divulgada nas redes sociais.
[caption id="attachment_2517" align="aligncenter" width="578"]

Foto: Floriano Lins/Divulgação[/caption]
Arte nos canteiros
Na casa da artesã Claudia Siqueira, 37 anos, moradora da Rua Senador Álvaro Maia, zona Centro de Parintins, o quadro é semelhante, mas a diferença está a arte aplicada na produção de vasos a partir de vasilhames plásticos customizados. Cláudia diz que por um bom tempo havia abandonado o cultivo de plantas em seu quintal. Durante alguns anos ela morou no Bairro Paulo Correa e tinha uma boa área para isso, mas foi após uma Roda de Quintais que reacendeu o amor pelas plantas.“Eu gostava muito de plantas, mas depois ficou difícil dividir meu tempo entre o artesanato e as plantas. Até que recebi uma proposta de realizar uma roda de quintais na minha casa e não tinha plantas para mostrar às pessoas que iam participar da roda. Foi quando apelei para as minhas alunas de artesanato pedindo mudas de plantas para ter no dia da reunião. As alunas começaram trazer mudas e eu fui plantando. Depois disso reacendeu o gosto
Hoje o meu quintal é bem menor que o outro onde morávamos, mas parece que eu ganhei mais espaço; é pequeno, mas eu tenho mais de cem espécies. Tem nos vasos, no chão, suspensas, uma produção bem maior que antes, e está crescendo cada vez mais”, comemora Siqueira.
No projeto ela também foi incentivada a melhorar a renda da famílias com a comercialização de mudas. “Foi um incentivo, mas eu não vendia. Até que apareceu uma cliente de artesanato aqui em casa, viu e gostou das plantas. Na primeira venda eu fiz duzentos reais em uma manhã. Foi difícil desfazer daquelas mudas, mas percebi que as pessoas também precisam levar pra casa um pouco desse carinho pelas plantas. Agora temos produzido mais mudas e as pessoas valorizam a união da arte nos vasos e garrafas com as mudas, É um caminho que encontrei pra aplicar minhas ideias de arte”, diz Cláudia.
*Com informações de assessoria